domingo, 18 de setembro de 2011

O Saci

Dizem que quem conta um conto,
Acaba aumentando um ponto.
Mas neste não vou o dedo meter,
Vou tentar o mais fiel manter.

Quem me contou foi minha bisavó,
Mãe do meu avô materno era ela.
Ela viveu em um sitio bem num cafundó,
Em Aguaí, no vale do rio Itupeva.

Contou-me Vovó Teotônia,
Esse era o nome dela.
Que numa noite de insônia,
Viu coisa que a alma gela.

Era daquelas noites de lua cheia
Que quase tudo clareava.
Quando a luz tudo permeia
Até mesmo sombra formava.

Sem sono, de sua cama ela deixou
E foi procurar algum serviço
Uma costura inacabada ela pegou
E passou varias horas nisso.

Já era começo de madrugada
No sitio do rio Itupeva
Quando os cavalos em cavalgada
Chamaram a atenção dela.

Ela largou suas costuras
E foi silenciosa até a janela.
Olhando pelas aberturas,
Com uma dose de cautela.

Viu que os cavalos galopavam,
Para o outro extremo da hibernada.
Mantendo-se distantes eles estavam,
Da onde ela fizera sua morada.

E neste momento passou a ouvir
Que outros bichos urravam assustados.
Até mesmo os cães começaram a latir
Correndo no terreiro para todos os lados.

Diante de tanta confusão
Vovó começou a pensar.
E chegou numa conclusão:
Deve ter onça no pomar.

Vovó estava num anexo
Que de pau-a-pique era construído.
Local inseguro e de fácil acesso
Para um visitante tão feroz e atrevido.

Ela abandonou sua vigia na janela
Visando para dentro de casa voltar.
Mas para surpresa e espanto dela
A visita já estava na porta a esperar.

Um jovem negro era o visitante
Que sentara calmamente na soleira.
Dono de um olhar penetrante
Ele fumava um pito de madeira.

Apenas duas peças vermelhas ele vestia
Um gorro sujo e uma bermuda surrada.
Em seu corpo apenas uma perna existia
Mas não parecia uma figura aleijada.

Vovó, mulher católica de fé,
Diante de tamanha assombração
Postou-se firmemente em pé,
Com seu terço na direita mão.

O jovem sorriu e ficou em pé
Um redemoinho formou-se em sua volta.
Teotônia manteve-se firme em sua fé
E começou a orar em voz alta.

Valha-me Nossa Senhora Aparecida
Pelas cinco chagas de seu Filho Jesus Cristo.
Fazei de minha fé uma couraça enrijecida,
Para que eu possa resistir ao ataque disto.

O redemoinho então encorpara
E tudo voava com desenvoltura.
Mas o ar a volta de vovó congelara
E nada atingia sua séria figura.

A peleja parecia que empatava
No meio daquela arruaça.
Mas vovó novamente orava,
Pedindo mais uma graça.

Se você é o ferro, eu sou o aço.
Se você é o demônio eu sou o embaraço.

São Benedito, São Bento, água benta,
Santo Antonio no altar
Dê-me Senhora a força para vencer esta contenta
Dentro de meu sagrado lar.

E vovó num ato de fé e coragem,
Jogou seu terço sobre o negrinho.
Que soltou um assovio selvagem
E desapareceu junto com o redemoinho.

E tudo que voava caiu ao chão
O silencio se fez por todo lugar
Vovó olhou em volta com emoção,
E pôs os joelhos em terra a rezar.

Ela orou agradecendo a Nossa Senhora
Pelos dons que recebera naquela hora
Fez o sinal da cruz três vezes ao terminar
E teve uma surpresa agradável ao seu olhar.

Diante dela cuidadosamente colocado,
Estava o terço que ela havia arremessado.
Com as faces de Jesus e Maria para cima,
E cada conta agora brilhava feito prisma.

Vovó pegou seu terço e o guardou.
De novo em pé para a janela voltou.
Viu que os cavalos retornavam mansamente,
E que o sono lhe chegara finalmente.
.

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