domingo, 16 de outubro de 2011

Onde é que eu ponho a pedra?

Hoje eu vou contar outra história de Vovó Teotônia.
A história de um fantasma sem nenhuma cerimônia.
 
Diz à tradição que as terras que hoje formam Aguaí
Eram chamadas pelas bandeiras de Capão do Cascavel
Duas famílias em mil e setecentos vieram morar ali,
Em Mogi Mirim elas dividiram as terras no papel.
 
Uma delas era a família Alves e a outra era Tangerino.
Suas origens foram esquecidas com o passar do tempo
E os nomes destas pessoas todas eu não sei e sequer imagino.
Estão escondidos debaixo da poeira do esquecimento
 
Naquele tempo longas cercas como hoje não se fazia,
E as terras não eram divididas com a precisão de agora.
Para limitar território se usava o que a natureza oferecia,
Árvores, morros, pedras e rios eram “os marcos” de outrora.
 
Dizem que depois de passados quase dois séculos
Surgiu naquelas bandas um tal Compadre Tangerino.
Especula-se que com aquelas famílias ele tinha vínculos.
E de todas aquelas terras ele herdou um bocado pequenino.
 
Esse Compadre Tangerino se julgava muito esperto
E resolveu de suas terras o tamanho aumentar.
Começou de forma discreta em momento incerto
A mover “os marcos” não fixos e mais leves de lugar.
 
No começo foram apenas alguns passos,
E ninguém apareceu para as perdas reclamar.
Então a cobiça suplantou os medos escassos,
E o tamanho do roubo começou a aumentar.
 
Um desses marcos era um grande granito alísio,
Que marcava a divisa com as terras dos Rosas.
Nestas terras Seu Procópio Rosa fazia rodízio,
Em um ano plantava milho e no outro, leguminosas.
 
Então na manhã de um belo dia de plantio
Depois de trabalhar por várias horas.
Um escravo chegou à sede do sítio
Avisando Seu Procópio que havia sobras.
 
Mas como foi que sobraram sementes de milho,
Se todos os anos plantamos a mesma quantia?
Ou os escravos erraram a largura do trilho,
Ou entre as plantas maior distância havia.
 
Mas o escravo por Deus jurou
Que nada disso havia acontecido
Seu Procópio os arreios juntou
E foi a cavalo ver o ocorrido.
 
E lá chegando logo percebeu
O que acontecera de errado.
Foi o tamanho da roça que encolheu
Para as sementes de milho ter sobrado.
 
Seu Procópio montou no cavalo novamente,
E foi rodeando as terras do Compadre Tangerino.
Anotou tudo o que viu de errado e de diferente,
E depois procurou os vizinhos do fazendeiro ladino.
 
No amanhecer do dia seguinte
Quando Tangerino saía cedo para a lida
Viu chegando um mundaréu de gente
E percebeu que fugir era a única saída.

Seu cavalo mais veloz ele montou
E saiu em disparada pelo pasto.
Mas Procópio viu o rumo que ele tomou   
E pós toda a tropa no seu rasto.
 
Enquanto açoitava a montaria
Tangerino aos gritos da tropa ouvia:
Você moveu todas as pedras,
Volta aqui ladrão de terras.
 
E naquela correria desenfreada
O cavalo pisou em um formigueiro
O solo cedeu com o peso da passada
E o animal capotou com o cavaleiro.
 
Na queda, Tangerino quebrou o pescoço
Direto nos braços da morte ele caiu.
E os homens que formaram o alvoroço,
Só puderam rezar por aquele que partiu.
 
Uma semana após o enterro do ladrão
Um escravo procurou Seu Procópio
E foi falando de supetão:
Sumiu na divisa o grande granito alísio.
 
Seu Procópio naquele roçado voltou
Para ver de perto o ocorrido.
Da grande pedra nada sobrou
Só se via no solo o buraco varrido.
 
E conforme os dias foram passando
Os viajantes começaram a contar.
Sobre um andarilho que pelas estradas esta perambulando.
Nas noites frias com nevoa e luar.
 
Sua cabeça pende do corpo de forma estranha
E uma grande pedra nas costa ela esta sempre a carregar.
Na distância pode se ouvir um lamento em voz fanha:
Onde é que eu ponho a pedra? Ele esta sempre a perguntar.
 
Vovó Teotônia me disse que durante sessenta anos
Pelas estradas de Aguaí essa alma perambulou.
E que ela fora libertada fazia apenas cinco anos,
Mas essa parte da história só depois vovó me contou.
 
 
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